Marcio Pauliki - Compromisso com você
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Caso Americanas: Bom de E e S mas péssimo em G!

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16/01/2023

O principal assunto, desta semana, no mundo corporativo brasileiro foi o rombo de R$ 20 bilhões da Americanas. Enquanto acionista e VP de uma grande rede de varejo regional, que atingiu a 11ª colocação nacional de seu segmento em 2022, a intenção aqui não é indagar como isso aconteceu e os desdobramentos deste furo bilionário, o foco é a governança corporativa da empresa. Afinal, trata-se de uma empresa aberta, negociada em bolsa e controlada por um investidor experiente na gestão de conglomerados, a 3G Capital, de Jorge Paulo Lemann, que também tem participação nas gigantes Ambev, Kraft Heinz, entre outras.

A Americanas supostamente teria uma boa governança corporativa, com auditoria externa por uma “big four”, a PwC, um conselho de administração atuante e formado por reconhecidos membros, entre eles: Carlos Alberto Sicupira, sócio de Lemann e primeiro gestor da Americanas, quando a compraram em 1982. Olhando o site da empresa, identificamos outros instrumentos de governança como Conselho Fiscal, Comitê de Auditoria, Código de Conduta e a publicidade e formalismo a diversas políticas a serem seguidas pela empresa, mas que não “pegaram” a prática.

A Americanas teve receitas líquidas de R$ 26 bilhões em 2021 e um EBITDA de R$ 2,9 bilhões. Até o terceiro trimestre de 2022, sua receita líquida somava R$ 18,9 bilhões. Com esses números, uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões não surgiria do dia para a noite. Portanto, o problema não é recente e a bem montada estrutura de governança não teve capacidade de identificar isso.

Por outro lado, a Americanas, como várias empresas que seguem as tendências de Wall Street e da Faria Lima, dão grande atenção ao tema ESG (Environment, Social & Governance). Se olharmos o relatório anual de 2021, o último disponível, veremos que a preocupação maior é mostrar o que a empresa está fazendo no âmbito ambiental e social, muito mais que no de governança. Parece que o viés dado ao E (ambiente) e ao S (social) fizeram seus gestores esquecerem do G, a efetiva governança. Somente esse descuido justifica a inconsistência contábil apresentada e até então desconhecida.

Aparentemente, os gestores da Americanas estavam mais preocupados com o acessório do que com o principal. Mais interessados no bônus de final de ano e no valuation na bolsa, do que necessariamente o lucro em seu DRE, que é o oxigênio que permite a sobrevivência a longo prazo de uma empresa.

Conhecem em detalhe a composição étnica e de gênero dos seus mais de 44 mil funcionários e o destino dos resíduos das suas 3,5 mil lojas. Sabem que fizeram mais de 350 mil entregas de produtos em favelas usando 343 veículos ecoeficientes. Contudo, ignoram como geraram um rombo de R$ 20 bilhões. O acionista da Americanas, e aqui não me refiro ao Lemann, Sicupira ou a Blackrock, mas o pequeno investidor, o que acreditou no sonho grande foi altamente prejudicado.

Será que esta preocupação com o E e o S não tiraram a atenção do G? Quem fez sua poupança nas ações das Americanas até poderia estar atento a orientação ambiental e social da companhia, mas isso é o acessório. Em primeiro lugar, esta pessoa aportou seus recursos numa empresa de varejo para que através desta atividade obtivesse resultados, valorizando suas ações e recebendo dividendos. Com o rombo isso não acontecerá. Diante disso, pouco vale saber que a Americanas ganhou o “Sustainability Award” da S&P ou que 53% dos cargos de gestão são ocupados por mulheres ou, ainda, que 5,4% da força de trabalho se identifica como bissexual. O pequeno acionista certamente se frustrou quando se deu conta que o valor de mercado da companhia, que era de R$ 28,5 bilhões no final de 2021, agora é apenas R$ 2,5 bilhões (13.01.2023), mas que em 2021 foi gasto R$ 10,4 milhões em doações e apoio a projetos sociais.

Ao lermos o relatório anual da Americanas de 2021, fica claro que seu foco não é demonstrar como se gerou riqueza ao acionista, mas como a empresa segue o manual de boas práticas de ESG. Talvez isso aconteça porque os principais acionistas da Americanas estão colocando os stakeholders a frente dos stockholders. Mas será que é este o interesse do pequeno investidor? Ou ele contava com a valorização das ações da empresa para pagar os estudos do filho, reformar a casa ou trocar de carro?

Gerir uma empresa focada em preocupações ambientais e sociais, se descuidando da governança, perverte seus objetivos. Como bem disse Milton Friedman, quem pode fazer benemerência é o acionista com o seu dinheiro e não através da empresa que tem por objetivo justamente gerar riqueza a ele.

A falta de atenção com a governança que realmente importa, que é não gerar surpresas ao acionista, foi esquecida na Americanas, enquanto questões não diretamente relacionadas a operação (que não deixam de ser importantes pelo impacto social), tiveram maior atenção. Em resumo, os gestores se importaram mais com o complemento do que com o essencial. O rabo abanou o cachorro.

(Texto colaborativo)

 

Se o interesse pelo assunto é técnico contábil, segue uma explanação do que se imagina o que pode ter ocorrido:

1) CVM em 2016 já tinha alertado para esse tipo de operação "errada". Não se pode alegar desconhecimento.

2) A empresa, segundo Rial, (o presidente empossado e que ficou apenas 9 dias a frente da gestão) não deixou de mostrar a dívida, porém não registrou a despesa financeira da operação de antecipação para o fornecedor (no varejo é chamado de risco sacado). Digamos que, a Americanas comprou R$ 100 do Fornecedor com prazo de 90 dias. O Banco antecipa, no exemplo, R$ 90 para o Fornecedor e a Americanas pagaria R$ 100 no prazo acordado com o Banco. Em termos de conta de resultados, a Americanas teria de registrar R$ 90 como CMV (Custo Mercadoria Vendida) e R$ 10 como despesa financeira. Porém, ela só registrou R$ 90 e "esqueceu" esses R$ 10. Isso ao longo de um prazo entre 7 a 10 anos. Esses R$ 10 eram lançados em uma conta de redução de fornecedores, reduzindo a dívida.

3) Tiveram 7 a 10 anos com lucros artificialmente maiores, pagando dividendos sobre um lucro que não houve e os executivos receberam seus bônus sobre um resultado fake. Por essas e outras que, na verdade, o “erro” foi intencional, caracterizando fraude.

4) Como ficará o desenho do novo balanço? Como o lado direito, ativos, não mudou, o lado esquerdo no total (dívidas + patrimônio líquido) fica igual, porém como o PL será bem reduzido (algo entre 15 a 20 bilhões, pelo que entendi) a dívida naturalmente irá crescer no mesmo montante, levando a empresa a indicadores e alavancagem para o espaço. Inclusive tem a possibilidade do PL virar e ficar negativo. Os acionistas majoritários terão de capitalizar a empresa.

5) Os credores serão marcados (os bonds lá foram estavam com indicativo de 30% do valor de face) e serão chamados para renegociação e alongamento de prazos, bem como os bancos que dão essa linha de financiamento de fornecedores e que as últimas notícias dão conta de que não apenas o BTG, mas outros bancos já estão tentando derrubar a medida cautelar que impediu a cobrança de dívidas da companhia pelos próximos 30 dias.

O CAPEX da empresa será reduzido drasticamente, os empregos serão possivelmente cortados e a empresa entrará em modo de sobrevivência com um pedido de recuperação judicial, antigamente chamada de concordata.

Ainda veremos muitos capítulos desta história, pois tem muita gente grande envolvida, principalmente, fornecedores e alguns que já deram de ombros para empresas familiares regionais muito bem geridas, mas que agora terão que correr atrás para não ficarem no meio do caminho.

Márcio Pauliki

Obs.: alguns trechos deste texto foram retirados de análises de alguns consultores de mercado.